Versículos 1-3 — “E vi descer do céu um anjo que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que mais não engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo.”
O acontecimento que dá abertura a este capítulo parece dar continuidade, em ordem cronológica, aos acontecimentos do capítulo precedente. As perguntas que aqui se levantam são: Quem é o anjo que desce do Céu? Que são a chave e a cadeia [corrente] que ele tem na mão? Que é o abismo? Que significa a prisão de Satanás durante mil anos?
O anjo — Este anjo é Cristo, como alguns supõem? Evidentemente que não. O antigo serviço típico lança um raio brilhante de luz diretamente sobre esta passagem.
Satanás é o bode emissário — Cristo é o grande Sumo Sacerdote desta era evangélica. No dia da expiação, antigamente, o sacerdote tomava dois bodes, sobre os quais se lançavam sortes, uma sorte pelo Senhor, outra pelo bode emissário. O bode sobre o qual caía a sorte pelo Senhor era então morto e o sangue levado para o santuário para fazer expiação pelos filhos de Israel [remi-los]. Depois disso os pecados do povo eram confessados sobre a cabeça do outro, ou seja, do bode emissário, que era conduzido pela mão de um homem designado para o deserto ou lugar desabitado. Como Cristo é o Sacerdote da era evangélica, conclui-se que Satanás deve ser o bode emissário antitípico [original, que serve de modelo para a representação].
A palavra hebraica para bode emissário em Levítico 16:8 é [Azazel]. Sobre este versículo, William Jenks observa:
“Bode emissário (Ver diferentes opiniões na obra de Bochardt). Spencer, segundo a opinião mais antiga dos hebreus e cristãos, diz que Azazel é o nome do diabo, e assim vemos também em Rosenm. O siríaco tem Azzail (o anjo forte) que se rebelou.” [246]
Obviamente o diabo é indicado aqui. Assim, temos a definição do termo bíblico em duas línguas antigas, com a mais antiga opinião dos cristãos, em favor da ideia de que o bode emissário era um tipo [representação] de Satanás. Charles Beecher diz:
“O que vai confirmar isto é que as mais antigas paráfrases e traduções consideram Azazel um nome próprio. A paráfrase caldaica e as coleções de Onkelos e Jônatas tê-lo-iam certamente traduzido se não fosse um nome próprio, mas não o fazem. A Septuaginta, a mais antiga tradução grega, verte esse termo por [apopompáios], palavra aplicada pelos gregos a uma divindade maligna tranquilizada por sacrifícios. Outra confirmação encontra-se no livro de Enoque, onde o nome Azalzel, evidentemente uma corrupção [corruptela] de Azazel, é dado a um dos anjos caídos, mostrando, assim, qual era a compreensão geral dos judeus naquele tempo. Ainda outra evidência se encontra no árabe, onde Azazel é empregado como o nome do espírito mau.” [247]
Esta é a interpretação judaica:
“Longe de significar que se reconhecia Azazel como uma divindade, o envio do bode emissário era, segundo declara Nahmanides, uma expressão simbólica da ideia de que os pecados do povo e suas más consequências deviam voltar-se ao espírito de desolação e ruína, fonte de toda impureza.” [248]
Essas opiniões se harmonizam com os acontecimentos relacionados à purificação do santuário celestial, segundo nos é demonstrado nas Escrituras da verdade. Vemos na representação que o pecado do transgressor era transferido para a vítima. Vemos que o pecado era levado ao interior do santuário pelo ministério do sacerdote e o sangue do sacrifício. E no décimo dia do sétimo mês vemos o sacerdote, com o sangue da vítima oferecida pelo pecado do povo, tirar todos os seus pecados do santuário, e colocá-los sobre a cabeça do bode emissário. E vemos que o bode logo os leva para o deserto (Levítico 1:1-4; 4:3-6; 16:5-10, 15, 16, 20-22).
Correspondendo a esses acontecimentos no tipo, vemos no antítipo a grande oferta que foi feita no Calvário em favor do mundo. Os pecados de todos os que pela fé em Cristo se apropriam dos méritos do sangue que Ele derramou, são levados pelo ministério de Cristo no santuário da nova aliança. Depois de Cristo, o Ministro do verdadeiro tabernáculo (Hebreus 8:2) haver concluído Seu ministério, removerá do santuário os pecados do Seu povo, e os porá sobre a cabeça do seu autor, o antitípico bode emissário, o diabo. O diabo será enviado com eles para a Terra desabitada.
“Contemplemos a cena por ocasião da vinda de Cristo à Terra. A igreja foi julgada; Israel foi julgado; as nações gentílicas também foram julgadas [...]. Agora cabe a Satanás ser também julgado; e vemos o nosso Sumo Sacerdote colocar a culpa moral onde lhe pertence legitimamente; julga o grande corruptor e o exila a um lugar onde fica isolado dos assuntos dos homens.” [249]
“Satanás não é colocado aqui, como alguns entendem quando se opõem a essa opinião, sobre um pé de igualdade com Deus; porque os dois bodes eram levados diante do Senhor, e eram Seus; e o próprio ato de lançar sortes, que era em si mesmo um solene apelo a Deus, demonstra que o Senhor declarava que podia exigi-los. Tão pouco se pode objetar que isso era em algum sentido um sacrifício a Satanás, porque não lhe era sacrificado o animal; só o enviavam de modo desonroso. Quando levava sobre si os pecados que Deus tinha perdoado, era enviado a Azazel no deserto.
O termo ‘bode emissário’ pelo qual o termo estranho Azazel é traduzido em algumas versões, provém da Vulgata ‘hircus emissarius’ [bode emissário]. O termo Azazel pode significar ‘o apóstata’, nome que Satanás merece, e que parece ser comum entre os judeus. Foi Satanás que trouxe o pecado ao mundo; o fato de ter enganado o homem aumenta sua culpa, e por conseguinte seu castigo. O pecado é agora perdoado na misericórdia de Deus. Um dos bodes era sacrificado como oferta pelo pecado; seu sangue era levado ao interior do lugar santo [santíssimo], e com ele era salpicado o propiciatório. Portanto, a culpa ficava cancelada; pelo derramamento de sangue havia remissão. Mas o pecado, embora perdoado, continuava sendo aborrecível para Deus, e não podia continuar diante de Seus olhos; assim era enviado ao deserto, separado do povo de Deus, e reportado ao primeiro enganador do homem. Os pecados dos crentes eram tirados deles e lançados sobre Satanás, seu primeiro autor e instigador. Embora os crentes sejam perdoados da punição, esta não é perdoada àquele que os induziu a cair na apostasia e ruína. Os tentados são restaurados, mas é visto que todo o castigo pode cair sobre o principal autor da tentação. O inferno está ‘preparado para o diabo e seus anjos’.” [250]
Cremos que este é o próprio acontecimento descrito nos versículos que estamos estudando. No tempo aqui especificado o serviço do santuário está concluído. Cristo põe sobre a cabeça do diabo os pecados que foram transferidos para o santuário, e que não são mais atribuídos aos santos. O diabo é enviado para longe, não pela mão do Sumo Sacerdote, mas pela mão de outra pessoa, segundo a representação do Antigo Testamento (tipo), para um lugar aqui chamado o abismo.
A chave e a corrente — Não podemos supor que a chave e a corrente sejam literais, mas são representações alegóricas do poder e autoridade com que este anjo é revestido nessa ocasião, para cumprir sua tarefa.
O abismo — A palavra original significa um “lugar sem fundo”. Seu uso parece demonstrar que a palavra indica qualquer lugar de trevas, desolação e morte. Assim, em Apocalipse 9:1 e 2, o termo “abismo” é aplicado às terras áridas do deserto da Arábia, e em Romanos 10:7 à sepultura. Mas a passagem que especialmente aqui derrama luz sobre o significado da palavra é Gênesis 1:2, onde lemos que “havia trevas sobre a face do abismo.” Vemos, pois, que essa palavra, no princípio, foi aplicada à Terra em seu estado caótico. É precisamente o significado que deve ter neste versículo 3 de Apocalipse 20. Lembremo-nos de que na hora em que o anjo realiza esta obra, a Terra é uma vasta expansão desolada e coberta de mortos. A voz de Deus abalou-a até os seus fundamentos. As ilhas e montes foram removidos dos seus lugares; o grande terremoto lançou por terra as mais poderosas obras dos homens; as sete últimas pragas deixaram suas desoladoras pegadas sobre a Terra; a abrasadora glória que acompanhou a vinda do Filho do homem cumpriu a sua parte para a destruição geral; os ímpios foram entregues à matança, e sua carne putrefata e seus ossos brancos permanecem sem que ninguém os sepulte e ficam abandonados desde uma a outra extremidade da Terra.
Assim, a Terra está vazia, desolada e transtornada (Isaías 24:1). Deste modo, regressa, pelo menos parcialmente, ao seu estado original de confusão e caos. (Ver Jeremias 4:19-26, especialmente o versículo 23). Que termo mais exato que o de “abismo” poderia ser usado para descrever a Terra ao avançar em sua carreira de trevas e desolação durante mil anos? Aqui estará Satanás, encerrado durante esse tempo, entre as ruínas que suas próprias mãos indiretamente produziram, sem poder fugir de sua triste habitação, nem de reparar, no mínimo que seja, sua horrível ruína.
A prisão de Satanás — Sabemos bem que Satanás, para agir, tem de ter pessoas pelas quais operar.
Sem elas, nada pode fazer. Mas durante os mil anos de sua reclusão na Terra, todos os santos estão no Céu, fora do alcance de suas tentações, e todos os ímpios estão mortos, fora do seu poder enganador. Sua esfera de ação está restrita, e assim, ele está preso. Durante esse período, fica condenado a um estado de desesperada inatividade. Para uma mente que sempre esteve tão ocupada como a sua durante os últimos milênios, dedicada a enganar os habitantes do mundo, de geração em geração, essa inatividade será um castigo da mais intensa severidade.
Segundo essa exposição, o ato de prender Satanás significa apenas colocar fora do seu alcance as pessoas sobre as quais ele opera. O ato de ser solto significa que eles voltam a ser colocados, pela ressurreição, numa posição em que ele pode voltar a exercer sobre elas o seu poder. Acerca dessa exposição alguns dizem que erramos, e que devemos considerar os ímpios presos e não o diabo. No entanto, quantas vezes ouvimos, nas transações diárias da vida, expressões como estas: “Fiquei completamente impedido; as minhas mãos estavam completamente atadas.” Mas quando essas expressões são usadas, compreendemos que foi posto em nosso caminho algum obstáculo intransponível, e não que nossas mãos estavam literalmente presas com cordas. Um conjunto de circunstâncias impossibilitou-nos de agir. Assim também nesta passagem. Por que não se pode dar à Bíblia a mesma liberdade de expressão que damos, sem questionamento, a nossos semelhantes?
Mais do que isto, fica tão limitado o poder de Satanás, que se pode considerá-lo quase literalmente amarrado. Ele já não tem poder para atravessar o espaço e visitar outros mundos, e sim como o homem, está preso à Terra, pois nunca mais a deixará. O lugar da ruína que ocasionou torna-se agora um sombrio cárcere, até sofrer a execução, no fim dos mil anos.
Versículos 4-6 — “E vi tronos; e assentaram-se sobre eles aqueles a quem foi dado o poder de julgar. E vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na testa nem na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele mil anos.”
A exaltação dos santos — Depois de mostrar-nos o diabo, em seu triste isolamento, João nos convida a contemplar os santos que alcançaram a vitória e a glória, os quais estão reinando com Cristo. Sua ocupação consiste em atribuir aos ímpios mortos a pena devida aos seus maus atos. Daquela assembleia geral, João destaca duas classes como dignas de menção: os mártires, aqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e os que não adoraram a besta e a sua imagem. Esta última classe é, sem dúvida, a dos que ouvem e obedecem à mensagem de Apocalipse 14.
-----> (Os trechos abaixo contém uma controvérsia entre as duas versões utilizadas no blog, a destacada em cinza consta no original, enquanto que na "Edição Vida Plena" esse trecho foi suprimido e acrescentado o texto em vermelho claro.)
Porém não são os que foram degolados pelo testemunho de Jesus, como gostariam de fazer-nos crer os que sustentam que todos os membros da última geração de santos sofrerão o martírio. A palavra traduzida por “que” na expressão “e os que não tinham adorado a besta” [King James Version, Tradução Brasileira] demonstra que é aqui introduzida outra classe de pessoas. O vocábulo original é o relativo composto hostis, “quem quer que seja”, não simplesmente o relativo hos, quem, e assim o definem Liddell e Scott: “Quem quer que seja, seja quem for, qualquer coisa que”. João viu os mártires como membros de uma classe, e como membros da outra viu aqueles que não tinham adorado a besta e a sua imagem.
É verdade que hostis é às vezes usado como relativo simples, como em 2 Coríntios 3:14, Efésios 1:23, porém nunca em construções como esta, onde a palavra está precedida pela conjunção kai, “e”.
Poderia ser que alguém diga que se traduzirmos esta passagem por “e os que não adoraram a besta”, incluímos milhões de pagãos e pecadores que não adoraram a besta, e lhes prometemos um reino de mil anos com Cristo. Para demonstrar que não fazemos tal coisa, chamamos a atenção para o fato de que o capítulo anterior afirma que os ímpios foram todos mortos, e que haviam de permanecer mortos por mil anos. João contempla aqui apenas o grupo dos justos que participam na primeira ressurreição.
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Porém, as pessoas pertencentes ao número dos “que foram degolados pelo testemunho de Jesus” não pertencem, em sua maioria, à última geração de santos, como alguns querem fazer parecer. Para que ninguém diga que o trecho “e os que não adoraram a besta”, inclui milhões de pagãos e pecadores que não adoraram a besta, os quais devem também receber a promessa de um reino de mil anos com Cristo, chamamos a atenção para o fato de que o capítulo anterior afirma que os ímpios foram todos mortos, e que o selo da morte foi posto sobre eles por mil anos. João contempla aqui apenas o grupo dos justos que participam da primeira ressurreição.
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Para negar a doutrina das duas ressurreições, alguns afirmam que a passagem: “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos”, é uma interpolação, ou seja, foi acrescentada, e supostamente não estaria no manuscrito original, sendo uma passagem não genuína. Mesmo que assim fosse, isso não refutaria a proposta original de que os justos mortos ressuscitam na “primeira ressurreição”, e que mil anos depois há uma segunda ressurreição, na qual todos os ímpios saem das suas sepulturas.
Mas a crítica não é verdadeira, porque os eruditos e estudantes da Bíblia a refutam. A Versão Revisada Inglesa não indica que a frase em questão não se acha nos manuscritos antigos. A Versão Revisada Americana não dá a menor indicação de que parte do texto tenha sido omitido. A tradução de Rotherdam, embora em outros lugares anote certas passagens como “duvidosas”, não indica que este texto ou parte dele o seja. Encontra-se nas oito edições do Novo Testamento grego de Tischendorf, e no texto grego de Westcott e Hort. A frase também aparece em todos os Novos Testamentos gregos publicados por críticos de renome mundial como Griesbach, Wordsworth, Lachmann, Tregelles e Alford.
Duas ressurreições — “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos.” Apesar de tudo o que se diga em contrário, nenhuma linguagem podia mais claramente provar duas ressurreições: a primeira, a dos justos no começo do milênio, e a segunda, a dos ímpios no fim desse período. A segunda morte não tem poder sobre os que tomam parte na primeira ressurreição. Eles não sofrerão danos dos elementos que destroem os ímpios como restolho. Podem subsistir apesar do fogo consumidor, cujos resultados são eternos (Isaías 33:14 e 15). Podem sair e ver os corpos mortos dos homens que pecaram contra o Senhor, devorados pelo fogo que não se apaga e pelo bicho que nunca morre (Isaías 66:24). A diferença entre os justos e os ímpios sob este aspecto consiste em que, ao passo que Deus é para os últimos um fogo consumidor, é para o Seu povo sol e escudo.
Os ímpios recebem a vida — Os ímpios que ressuscitam no fim do milênio voltam de novo à vida, como foi outrora real a sua vida na Terra. Negar isto é violentar esta passagem. Não somos informados em que condição física ressuscitarão. Diz-se em geral sobre este ponto que aquilo que perdemos incondicionalmente em Adão, é-nos devolvido incondicionalmente em Cristo. Com respeito à condição física, isto não devia talvez ser tomado num sentido ilimitado, porque a raça humana perdeu muito em estatura e força vital — restituições que não precisam ser feitas aos ímpios. Se regressassem à condição de normalidade mental e física que possuíram durante a vida, ou enquanto durou o tempo de graça, isso bastaria por certo para poderem receber por fim inteligentemente a recompensa que lhes é devida por todos os seus atos enquanto viviam.
Versículos 7-10 — “E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha. E subiram sobre a largura da terra e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada; mas desceu fogo do céu e os devorou. E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre.”
A perdição dos ímpios — No fim do milênio, a santa cidade, a Nova Jerusalém, em que os santos habitaram no Céu durante esse período, desce e é posta sobre a Terra. Torna-se o acampamento dos santos, à volta do qual se reúnem os ímpios ressuscitados, inumeráveis como a areia do mar. O diabo os engana e os reúne para esta batalha. São induzidos a empreender uma guerra ímpia contra a santa cidade, na perspectiva de ganharem alguma vantagem contra os santos. Satanás persuade-os sem dúvida de que podem vencer os santos, desapossá-los da sua cidade e manter o controle da Terra. Mas desce fogo do Céu, da parte de Deus, e os devora. Moses Stuart admite que a palavra aqui traduzida por “devorou” expressa uma ação “intensiva”, e significa “comer, tragar, denotando completo extermínio.” [251]
Este é o tempo da perdição dos ímpios, o tempo em que “os elementos, ardendo, se desfarão, e a Terra, e as obras que nela há se queimarão” (2 Pedro 3:7 e 10). À luz destas passagens, podemos ver como os ímpios hão de receber sua recompensa na Terra (Provérbios 11:31). Podemos ver também que essa recompensa não é uma vida eterna em sofrimento, mas “absoluto extermínio”, destruição inteira e completa.
Os ímpios não pisam a nova Terra — Sobre este ponto, duas opiniões merecem uma ligeira observação. A primeira é que a Terra é renovada na segunda vinda de Cristo e é a habitação dos santos durante mil anos. A outra é que quando Cristo aparecer pela segunda vez, estabelecerá o Seu reino na Palestina, e realizará, com os Seus santos, uma obra de conquista sobre as nações deixadas na Terra durante o milênio, e as submete a Si próprio.
Uma das muitas objeções que se podem levantar contra a primeira opinião, é que ela faz os ímpios, na sua ressurreição, subir com o diabo à sua frente, e pisar com os seus manchados pés a terra purificada e santa, enquanto os santos, que têm a sua posse durante mil anos, ser obrigados a ceder terreno e fugir para a cidade. Não podemos crer que a herança dos santos fique para sempre assim contaminada, ou que as belas planícies da renovada Terra fiquem para sempre manchadas pelos poluídos pés dos ímpios ressuscitados. Além de afrontar todas as ideias de propriedade, não há texto em que se possa apoiar.
E quanto à segunda opinião, um dos seus muitos absurdos consiste em que, apesar de Cristo e Seus santos terem conquistado a Terra durante os mil anos, no fim desse período os ímpios triunfam, e fica anulada a obra dos mil anos, pois Cristo e os Seus perdem o seu território e são obrigados a bater em ignominiosa retirada para a cidade em busca de refúgio, deixando a Terra ao indisputado domínio dos seus inimigos.
Mil anos no Céu — Em contraste com essas teorias, há harmonia no ponto de vista aqui apresentado. Os santos estão com Cristo no Céu durante os mil anos enquanto a Terra fica deserta. Os santos e a cidade descem do céu, e os ímpios mortos ressuscitam e avançam contra ela. Ali recebem o seu castigo. Do fogo purificador que os destrói surgem os novos céus e a nova Terra, para ser habitação dos justos pelos séculos sem fim.
Os que sofrem o tormento — Baseados no versículo 10, alguns concluíram que só o diabo seria atormentado dia e noite. Mas o testemunho desse versículo abrange mais do que isso. A forma verbal “serão atormentados” está no plural, e concorda com a besta e o falso profeta, ao passo que devia estar no singular, se apenas se referisse ao diabo. Deve notar-se que na expressão “onde está a besta e o falso profeta”, a palavra “está” não se acha no original. Mais conveniente seria subentender as palavras “foram lançados”, correspondendo ao que imediatamente antes foi dito do diabo. A frase então seria: “O diabo foi lançado no lago de fogo, onde foram lançados a besta e o falso profeta”. Uma tradução mais exata acrescenta a palavra “também” depois de “onde”. A cláusula então se lê assim: “O diabo foi lançado no lago de fogo, onde também foram lançados a besta e o falso profeta.” A besta e o falso profeta foram ali lançados e destruídos no começo do milênio (Apocalipse 19:20). Os membros individuais de suas organizações levantam-se agora na segunda ressurreição, e uma destruição semelhante e final cai sobre eles, sob os nomes de Gogue e Magogue.
O lago do fogo — Pode ser que algum leitor precise de uma definição quanto ao que seria o “lago de fogo”. Como definição abrangente, o termo é usado como figura dos poderes que Deus usa para concluir a Sua disputa com os ímpios vivos, no começo dos mil anos e com todas as hostes dos ímpios ressuscitados no fim do milênio. É claro que o fogo literal há de ser largamente empregado nessa obra. Podemos descrever melhor os efeitos do que descrever o próprio fogo. Na segunda vinda de Cristo é em labareda de fogo que o Senhor Jesus Se revelará. É pelo assopro da Sua boca e pelo esplendor da Sua vinda que o iníquo será aniquilado, e o fogo queimará por completo a grande Babilônia (Apocalipse 18:8). No fim do milênio é o dia que os queimará como forno (Malaquias 4:1); é o ardente calor que fundirá os elementos da Terra e queimará até consumir as obras que nela há. É o fogo de Tofete preparado para o rei (o diabo e seus anjos, Mateus 25:41), cuja coluna é profunda e larga, e “o assopro do Senhor como torrente de enxofre a acenderá.” (Isaías 30:33). Enfim, é o fogo que desce de Deus, do Céu. (Sobre a expressão “atormentados para todo o sempre”, ver os comentários sobre Apocalipse 14:11).
Versículos 11-15 — “E vi um grande trono branco e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença fugiu a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros. E abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras. E a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo.”
O trono do juízo — Com o versículo 11 João introduz outra cena relacionada com a condenação final dos ímpios. É o grande trono branco do juízo, perante o qual todos estão reunidos para receber sua terrível sentença de condenação e morte. Da presença desse trono fogem a Terra e o céu, de sorte que não se acha lugar para eles. Basta refletir um momento nas mudanças que se observarão então na Terra, para avaliarmos a grande força dessa linguagem. A cena é a do dia ardente a que se refere Pedro, em que ocorrerá “a perdição dos homens ímpios”, e em que “os elementos”, ardendo, se desfarão (2 Pedro 3:7-13).
-----> (Os trechos abaixo contém uma controvérsia entre as duas versões utilizadas no blog, a destacada em cinza consta no original, enquanto que na "Edição Vida Plena" esse trecho foi suprimido e acrescentado o texto em vermelho claro.)
Desce fogo do Céu da parte de Deus. As obras que no mundo há são queimadas e os ímpios são destruídos. Este é o fogo da Geena, que contém todos os elementos necessários para consumir por completo todo ser mortal que caia sob o seu poder (Marcos 9:43-48). Então se cumprirá Isaías 66:24: “E sairão os justos, e verão os corpos mortos dos homens que prevaricaram contra Mim; porque o seu bicho nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e serão um horror para toda carne”.
Também se cumprirá Isaías 33:14: “Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor?” A resposta, nos versículos que se seguem, mostra que são os justos, e esse deve ser o tempo ao qual se aplicam as perguntas e respostas de Isaías.
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A cidade está então localizada sobre a Terra, com os fundamentos do planeta sob toda a sua área, de sorte que não será afetada pelas alterações que possam ocorrer ou por quaisquer condições que possam existir na crosta terrestre, que está por baixo dela. Desce fogo do Céu da parte de Deus — Em primeiro lugar, são queimadas as obras que no mundo há, e pela produção de gases tóxicos, bem como pelas chamas, os ímpios são destruídos. Este é o fogo da Geena, que contém todos os elementos necessários para consumir por completo todo ser mortal que caia debaixo do seu poder (Marcos 9:43-48).
Em segundo lugar, o calor aumenta a tal ponto que fundirá todos os materiais sólidos do planeta, assim como ocorre com os metais na fornalha de fundição de aço, e toda a Terra se converterá numa massa fluida, magmática e fundida. Sobre ela flutua a cidade, como a arca de Noé flutuava sobre as águas do diluvio. Então se cumprirá Isaías 33:14: “Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor?” A resposta, nos versículos que se seguem, mostra que são os justos que deverão morar com o “fogo consumidor”, e esse deve ser o momento em que tal coisa irá ocorrer.
Em terceiro lugar, há mais uma etapa a ser alcançada. É sabido que com suficiente grau de calor, qualquer substância desta Terra pode ser reduzida à condição de gás, e torna-se assim invisível. É o que ocorrerá com toda a Terra. Quando o calor é elevado a determinado grau de intensidade, a Terra inteira poderá ser convertida em gás e tornada invisível, parecendo assim ter literalmente desaparecido. A cidade santa ficaria numa condição como que se estivesse flutuando no espaço, o que não seria impróprio afirmar.
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Contudo, os elementos terrestres não são destruídos. São apenas, por esse processo, purificados dos últimos e mais diminutos vestígios do pecado, e de todo sinal da maldição. O onipotente fiat sai de novo: “Eis que faço novas todas as coisas. [...] Está cumprido.” (Apocalipse 21:5 e 6), e as partículas voltam a combinar-se para compor um novo mundo. Sob o maravilhoso e estupefato olhar de todos os remidos e da hoste angélica, é renovada a obra da criação. Na primeira fase da criação as estrelas da alva juntas alegremente cantavam e todos os filhos de Deus rejubilavam (Jó 38:7). Nessa nova e última fase, esse cântico e júbilo serão reforçados pelas alegres vozes dos remidos. E, assim, esta Terra, desviada temporariamente, pelo pecado, da sua natural órbita de alegria e paz, será reintegrada, renovada à harmonia com o Universo fiel, para ser o lar eterno dos seres humanos redimidos.
Os livros de registro — Os homens são julgados pelas coisas que estão escritas nos livros, por onde ficamos sabendo o solene fato de que se guarda no Céu um registro de todos os nossos atos. Os secretários angélicos fazem um registro fiel e infalível. Os ímpios não podem ocultar-lhes nenhum dos seus tenebrosos atos. Não podem suborná-los para passarem por alto no seu registro qualquer dos seus atos ilícitos. Terão de enfrenta-los novamente e de ser julgados de acordo com esses atos.
A execução da sentença — Os ímpios hão de ser punidos segundo as suas obras. A Escritura declara que serão recompensados segundo os seus atos. É evidente que se tem em conta o grau de sofrimento que cada um há de suportar, como parte da pena imposta: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão.” (Lucas 12:47 e 48).
O livro da vida — Pode ser que alguém pergunte por que é apresentado o livro da vida no grande evento da segunda ressurreição, visto que os ímpios já foram sujeitos à segunda morte. Vemos pelo menos uma razão aparente — para que todos percebam que nenhum dos nomes dos condenados à segunda morte estava registrado no livro da vida. E se alguns dos nomes já fizeram parte dele, será explicado por que não foram mantidos, para que todas as inteligências do Universo possam ver que Deus age com justiça e imparcialidade.
Declara-se também que “a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo: esta é a segunda morte.” Este é o epitáfio [252] final de todos os poderes que se levantaram, do princípio ao fim, em oposição à vontade e obra do Senhor. Satanás originou e dirigiu essa detestável obra. Uma parte dos anjos do Céu se uniu a ele nessa obra homicida, e o fogo eterno foi preparado para ele e seus anjos (Mateus 25:41). Os homens sofrem o efeito desse fogo porque se uniram a Satanás em sua rebelião. Mas aqui termina a disputa. O fogo é para eles eterno porque não lhes permite escapar, e não se apaga até que estejam consumidos. A segunda morte é o seu castigo, e é “castigo eterno” (Mateus 25:46) porque não conseguirão se libertar das suas terríveis garras: “O salário do pecado é a morte”, e não o tormento eterno. (Romanos 6:23).
Para resumir o argumento, lemos: “E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo.”
Querido amigo, está o seu nome escrito no livro da vida? Você procura evitar a terrível condenação que aguarda os ímpios? Não descanse até ter motivo para crer que o seu nome está registrado na lista dos que finalmente terão parte na vida eterna.
Referências bibliográficas
[246] JENKS, William. Comprehensive Commentary, vol. 1, p. 410, nota sobre Levítico 16:8.
[247] BEECHER, Charles. Redeemer and Redeemed, pp. 67, 68.
[248] Jewish Encyclopedia, vol. 2, p. 366, verbete “Azazel”.
[249] WHALLEY, Albert. The Red Letter Days of Israel, p. 125.
[250] EADIE, John. Biblical Cyclopedia, p. 577, verbete “scapegoat”.
[251] STUART, Moses. A Commentary on the Apocalypse, vol. 2, p. 369.
[252] Epitáfio: (1) Inscrição sobre lápides tumulares ou monumentos funerários. (2) Derivação: por metonímia: a lápide contendo essa inscrição. (3) Enaltecimento, elogio breve a um morto. (4) Rubrica: literatura. Tipo de poesia, nem sempre de inscrição lapidar, que encerra um lamento pela morte de outrem, ou com notada intenção satírica,
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