Apocalipse, Capítulo 17 Explicado


Conheça Babilônia, a mãe

Versículos 1-5 — “E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças e falou comigo, dizendo-me: Vem, mostrar-te-ei a condenação da grande prostituta que está assentada sobre muitas águas, com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam na terra se embebedaram com o vinho da sua prostituição. E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor escarlate, que estava cheia de nomes de blasfêmia e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, adornada com ouro, e pedras preciosas, e pérolas, e tinha na mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição. E, na sua testa, estava escrito o nome: MISTÉRIO, A GRANDE BABILÔNIA, A MÃE DAS PROSTITUIÇÕES E ABOMINAÇÕES DA TERRA.”

    No versículo 19 do capítulo anterior somos informados de que “da grande Babilônia Se lembrou Deus para lhe dar o cálice do vinho da indignação da Sua ira.” O profeta considera agora mais detidamente o tema desta grande Babilônia, e para apresentar um quadro completo dela retrocede e lembra-nos alguns fatos da sua história. Os protestantes creem, em geral, que a mulher apóstata apresentada neste capítulo é um símbolo da Igreja Católica Romana. Tem havido relações ilícitas entre esta igreja e os reis da Terra. Os habitantes da Terra têm sido embriagados com o vinho da sua fornicação, ou com as suas falsas doutrinas.
    A Igreja e o Estado — Esta profecia é mais concreta do que outras aplicáveis ao poder romano, porque faz uma distinção entre a Igreja e o Estado. Temos aqui a mulher, a Igreja, sentada sobre uma besta escarlata [236] — o poder civil —, pelo qual ela é transportada, e que ela dirige e guia para seus próprios fins, como um cavaleiro dirige o cavalo sobre o qual está sentado. 
    As vestes e decorações dessa mulher, apresentadas no versículo quatro, estão em flagrante harmonia com a aplicação feita desse símbolo. As principais cores usadas nas vestes de papas e cardeais são púrpura [237] escarlata. Segundo testemunhas oculares, entre os milhares de pedras preciosas e metais raros que enfeitam seu culto, a prata é raramente conhecida e o ouro parece pobre. E da taça de ouro que está na sua mão — símbolo de pureza de doutrina e profissão de fé, que devia ter contido só o que é puro e de acordo com a verdade — saem só abominações e vinho da sua fornicação, símbolo adequado das suas detestáveis doutrinas e práticas.
    Diz-se que por ocasião do Jubileu Papal [238] foi usado o símbolo de uma mulher com um cálice na mão. [239]

“Em 1825, por ocasião do Jubileu, o Papa Leão XII cunhou uma medalha, tendo num lado a sua própria imagem, e no outro, a da Igreja de Roma simbolizada como uma ‘mulher’, segurando com a mão esquerda uma cruz e com a mão direita um cálice, com a legenda em volta dela: Sedet super universum, ‘Todo o mundo é o seu assento’.” [240]

Versículos 6 e 7 — “E vi que a mulher estava embriagada do sangue dos santos e do sangue das testemunhas de Jesus. E, vendo-a eu, maravilhei-me com grande admiração. E o anjo me disse: Por que te admiras? Eu te direi o mistério da mulher e da besta que a traz, a qual tem sete cabeças e dez chifres.”

    Uma causa de admiração — Por que João se surpreenderia, “com grande admiração”, como diz no original, ao ver a mulher embriagada com o sangue dos santos? Era a perseguição do povo de Deus alguma coisa estranha à sua época? Não vira ele Roma estender suas mais ferozes maldições contra a igreja? Não estava ele próprio exilado sob seu cruel poder, enquanto escrevia? Por que, então, se admirou ao olhar adiante e ver Roma ainda perseguindo os santos? O segredo da sua admiração era este: Todas as perseguições testemunhadas procediam de Roma pagã, inimiga declarada de Cristo. Não era de estranhar que pagãos perseguissem os seguidores de Cristo. Mas quando João olhou adiante e viu uma igreja que dizia ser cristã perseguir os seguidores do Cordeiro, e embriagar-se com o seu sangue, não pôde deixar de expressar grande admiração.

Versículos 8-11 — “A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição. E os que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo) se admirarão vendo a besta que era e já não é, mas que virá. Aqui há sentido, que tem sabedoria. As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada. E são também sete reis: cinco já caíram, e um existe; outro ainda não é vindo; e, quando vier, convém que dure um pouco de tempo. E a besta, que era e já não é, é ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição.”

    Três fases de Roma — A besta de que o anjo aqui fala é evidentemente a besta escarlata. Uma fera, como a que aqui é introduzida, é o símbolo de um poder opressor e perseguidor. Embora o poder romano como nação tivesse uma existência longa e ininterrupta, passou por certas fases durante as quais este símbolo não lhe seria aplicável, e durante tais fases, a besta, em profecias como esta, se podia dizer que “não era” ou não existia. Assim, Roma, na sua forma pagã, foi um poder perseguidor em suas relações com o povo de Deus, e durante esse tempo constituiu a besta “que era”. Mas quando o império se converteu superficialmente ao cristianismo, houve uma transição do paganismo para outra fase de religião falsamente chamada cristã. Durante um breve período, enquanto essa transição se realizava, perdeu o seu caráter feroz e perseguidor, e então poderia se dizer da besta que “não era”. Com o passar do tempo, desenvolveu-se o papado, e de novo assumiu o seu caráter sanguinolento e opressor.
    As sete cabeças — Diz-se primeiro que as sete cabeças são sete montes, e depois sete reis. “As sete cabeças são sete montes. [...] São também sete reis”, e assim são identificados as cabeças, os montes e os reis. 
    O anjo disse mais: “dos quais caíram cinco [reis]”, ou desapareceram. Logo diz: “um [rei] existe”, isto é, o sexto que estava então reinando. “O outro ainda não chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco.” E por último: “E a besta, que era e não é, também é ele, o oitavo rei, e procede dos sete.” Por esta explicação dos sete reinos, entendemos que quando o que “ainda não chegou” (no momento em que João escrevia) aparece no cenário, chama-se o oitavo, embora realmente proceda dos “sete”, no sentido de que absorve e exerce o seu poder. Este é aquele cuja carreira nos interessa seguir. A seu respeito é dito que seu destino é ir para a “destruição”, quer dizer, há de perecer em absoluto. As sete formas de governo pelas quais passou o Império Romano foram: realeza, consulado, decenvirato, ditadura, triunvirato, império e papado. Os cinco primeiros tinham desaparecido no tempo de João. Ele estava vivendo no tempo do império, sendo que mais duas formas de governo se levantariam depois. Uma continuaria por um curto período, e daí não ser usualmente mencionada entre as cabeças, enquanto a última, que é chamada a sétima, na verdade, é a oitava. A cabeça que sucederia a imperial e “duraria pouco” não podia ser a papal, porque esta continuou por muito mais tempo que as anteriores juntas. Portanto, entendemos que a cabeça papal é a oitava, e que uma cabeça de curta duração interveio entre a imperial e a papal. Como cumprimento, lemos que depois de a imperial ter sido abolida, houve um governador de cerca de sessenta anos que governou Roma sob o título de “Exarca de Ravena”. Assim, temos o elo que une as cabeças imperial e papal.
    Já demonstramos que esta besta simboliza o poder civil, o qual, de acordo com o relato bíblico, passa por sete fases representadas também pela besta semelhante ao leopardo, mencionada em Apocalipse 13, até o surgimento de uma oitava que continua até o fim. Visto que já mostramos que Roma papal desenvolveu-se da Roma pagã e a sucedeu, conclui-se que a oitava cabeça, que procedia das sete e finalmente exerce o seu poder, representa o papado e sua mistura de doutrinas chamadas cristãs com superstições e ritos do paganismo.

Versículos 12-14 — “E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão o poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento e entregarão o seu poder e autoridade à besta. Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, eleitos e fiéis.”

    As dez pontas — Acerca deste assunto, ver os comentários feitos a Daniel 7:7, onde se demonstra que representam os dez reinos que saíram do império romano. Recebem poder por uma hora, (espaço indefinido de tempo) com a besta, isto é, reinam durante um espaço de tempo simultaneamente com a besta, dando-lhe o seu poder e força. Croly apresenta o seguinte comentário ao versículo 12:

“A predição define a época do papado ao mencionar a formação dos dez reinos do Império Ocidental. ‘Recebem autoridade como reis, com a besta, durante uma hora’. A tradução devia ser ‘na mesma hora [mían horan]’. Os dez reinos deviam ser contemporâneos [simultâneos], em contraste com as ‘sete cabeças’, que foram sucessivas.” [241]

    Esta linguagem se refere sem dúvida ao passado, quando os reinos da Europa davam apoio unânime ao papado. O tratamento que esses reis darão finalmente ao papado é expresso no versículo 16, onde se diz que aborrecerão a prostituta, e a deixarão desolada e nua, comerão a sua carne e a queimarão no fogo. Há anos que as nações da Europa têm estado a realizar uma parte desta obra. Só concluirão, queimando-a com fogo, quando se cumprir Apocalipse 18:8.

“Pelejarão eles contra o Cordeiro” (verso 14). Somos aqui levados a penetrar no futuro, e transportados para o tempo da grande batalha final, porque nesse tempo o Cordeiro leva o título de Rei dos reis e Senhor dos senhores, que assume ao terminar o tempo de graça, ao cessar Sua obra de intercessão sacerdotal. (Apocalipse 19:11-16).

Versículos 15-18 — “E os dez chifres que viste na besta são os que aborrecerão a prostituta, e a porão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo. Porque Deus tem posto em seu coração que cumpram o seu intento, e tenham uma mesma ideia, e que deem à besta o seu reino, até que se cumpram as palavras de Deus. E a mulher que viste é a grande cidade que reina sobre os reis da terra.”

    Destino da prostituta — No versículo 15 temos uma clara definição do símbolo bíblico das águas: representam povos, multidões, nações e línguas. O anjo disse a João, chamando-lhe a atenção para este assunto, que lhe havia de mostrar a condenação desta grande prostituta. No versículo 16 essa condenação é especificada. Este capítulo tem, naturalmente, mais especial referência à mãe, ou à Babilônia católica. O capítulo seguinte trata do caráter e destino de outro grande ramo de Babilônia, as filhas caídas.


Referências bibliográficas
[236] Escarlata/escarlate: Cor vermelha muito viva.
[237] Púrpura: (1) Cor vibrante, vermelho escuro (vinho), tendente para o roxo. (2) Tecido tingido com essa substância, muito valorizado na Antiguidade e na Idade Média por dar status e ser símbolo do poder real e eclesiástico. (3) A dignidade dos cardeais [católicos].
[238] Jubileu: Entre os católicos, indulgência plenária concedida pelo papa a intervalos regulares (atualmente a cada 25 anos) e, por vezes, em ocasiões de aniversários e fatos religiosos importantes. [239]
“A interpretação que identifica a Igreja de Roma com a Babilônia apocalíptica não data da Reforma [Protestante]. No sétimo século e seguintes a Igreja Romana estava unida com a cidade de Roma, pela junção dos poderes temporal e espiritual na pessoa do Pontífice Romano. E quando a Igreja de Roma começou a apresentar os seus novos dogmas, e a impô-los como necessários para a salvação, então foi publicamente afirmado por muitos (embora ela queimasse alguns por o terem feito), que ela estava cumprindo as profecias apocalípticas referentes a Babilônia. E embora a destruição de Roma pagã pelos godos do quinto século fosse um acontecimento da máxima importância, nem uma única testemunha do passado pode ser citada em favor da exposição de Bossuet e seus correligionários que veem no cumprimento das predições do Apocalipse, respeitantes à destruição de Babilônia, na queda de Roma pagã pela espada de Alarico [o rei dos Godos]. Com efeito, essa exposição é moderna. É uma interpretação posterior, e foi imaginada por Bossuet e outros para combater a outra que eles chamam ‘a interpretação protestante’. A identificação da Babilônia apocalíptica com a antiga Roma pagã, como seu adequado antítipo [modelo ou objeto literal a ser representado], é uma invenção da moderna Roma papal.” — Wordsworth, Chr. Union With Rome. D. D., pp. 19, 20. London: Longmans, Green & C°., 1909. [Colchetes acrescentados pelo Revisor].
[240] HISLOP, Alexander. The Two Babylons, p. 6. London, S. W. Partridge & C°., 1907.
[241] CROLY, George. The Apocalypse of John, pp. 264,

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