Versículo 1 — “Depois destas coisas, olhei, e eis que estava uma porta aberta no céu; e a primeira voz, que como de trombeta ouvira falar comigo, disse: Sobe aqui, e mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer.”
Nos três primeiros capítulos, João apresenta a visão que teve do Filho do homem, compreendendo uma descrição de Sua majestosa pessoa, e um registro das palavras que, com voz semelhante ao som de muitas águas, ouviu pronunciar. Nova cena e nova visão se apresentam agora perante nós. A expressão “depois destas coisas” não significa que o que é relatado no capítulo quatro e seguintes devia ter lugar depois do cumprimento de tudo o que vem relatado nos capítulos anteriores, mas apenas que depois de ter visto e ouvido o que aí vem relatado, teve a nova visão que agora vai descrever.
“Uma porta aberta no Céu” — Aqui nos fala de uma porta aberta no Céu, e não uma porta que dá acesso a ele. A tradução de Almeida, Revista e Atualizada, (1993) é fiel ao original: “e eis que estava uma porta aberta no céu”. Não era uma abertura do próprio Céu perante a mente de João, como no caso de Estêvão (Atos 7:56), mas algum lugar no Céu foi aberto perante ele, e lhe foi permitido contemplar o que ali se estava realizando. Outras partes do livro demonstram claramente que o santuário celestial foi o que João viu aberto.
“O que deve acontecer depois destas coisas” — Comparem isso com Apocalipse 1:1. O grande objetivo do Apocalipse parece ser a apresentação de acontecimentos futuros com o propósito de informar, edificar e confortar a igreja.
Versículos 2-5 — “E logo fui arrebatado em espírito, e eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono. E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra de jaspe e de sardônica; e o arco celeste estava ao redor do trono e era semelhante à esmeralda. E ao redor do trono havia vinte e quatro tronos; e vi assentados sobre os tronos vinte e quatro anciãos vestidos de vestes brancas; e tinham sobre a cabeça coroas de ouro. E do trono saíam relâmpagos, e trovões, e vozes; e diante do trono ardiam sete lâmpadas de fogo, as quais são os sete Espíritos de Deus.”
Em espírito — Já neste livro vimos idêntica expressão: “Achei-me em espírito, no dia do Senhor” (Apocalipse 1:10). Foi empregada para exprimir o fato de que João teve uma visão num sábado, ou dia do Senhor. Se ali se referia ao fato de estar em visão, deve referir-se aqui à mesma coisa e, por conseguinte, a primeira visão terminou com o capítulo três, e começa aqui nova visão. Não constitui séria contradição o fato de João, anteriormente, como vemos pelo primeiro versículo deste capítulo, se ter encontrado em estado espiritual que lhe permitiu olhar e ver uma porta aberta no Céu e ouvir uma voz, como o poderoso som de trombeta, chamando-o para ver mais perto as coisas celestes. Estêvão também, cheio do Espírito Santo, olhou para cima e viu os céus abertos e o Filho do homem sentado à direita de Deus. Estar em Espírito significa um estado mais alto de elevação espiritual. Não somos informados do dia em que foi dada esta visão.
Arrebatado de novo em visão celestial, o primeiro objeto que viu foi um trono no Céu e o Ser divino sentado nele. A descrição da aparência desse Ser, com vestes de diversas cores sugere imediatamente a ideia de um monarca vestido com as suas vestes reais. Em redor do trono havia um arco-íris, reforçando a majestade da cena, recordando-nos que, embora onipotente e absoluto, o que está sentado sobre o trono é também o Deus que cumpre a aliança.
Os vinte e quatro anciãos — Quem são esses seres que rodeiam o trono de glória? Observe-se que estão vestidos de branco e têm na cabeça coroas de ouro, que são sinais tanto de um conflito terminado como de uma vitória ganha. Daqui concluímos que participaram anteriormente na luta cristã, trilharam antigamente, com todos os santos, essa peregrinação terrena, mas venceram, e, com antecipação à grande multidão dos remidos, estão com suas coroas de vitória no mundo celeste. Com efeito, nos dizem isso claramente no cântico de louvor que devotam ao Cordeiro: “E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, parque foste morto e com o Teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação.” (Apocalipse 5:9) Este cântico é entoado antes de se realizar qualquer dos acontecimentos preditos na profecia dos sete selos, porque é cantado para estabelecer que o Cordeiro é digno de tomar o livro e de abrir os selos, visto Ele próprio já ter operado a redenção deles. Não é algo colocado aqui por antecipação, com aplicação apenas no futuro, mas expressa um fato absoluto e consumado na história dos que o cantam. Essa era uma classe de pessoas remidas desta Terra, como todos devem ser remidos: pelo precioso sangue de Cristo.
Encontraremos alguma outra parte outra referência a essa classe de remidos? Cremos que Paulo se refira ao mesmo grupo, quando escreve assim aos efésios: “Pelo que diz: Subindo ao alto levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens.” O original diz: levou “uma multidão de cativos.” Efésios 4:8. Retrocedendo aos acontecimentos relacionados com a crucifixão e ressurreição de Cristo, lemos: “Abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos.” Mateus 27:52 e 53. A página sagrada dá, pois, a resposta à nossa pergunta. Esses são alguns dos que saíram dos sepulcros quando Cristo ressuscitou, e foram contados entre a ilustre multidão que Ele tirou do cativeiro do sombrio domínio da morte quando subiu em triunfo ao Céu. Mateus fala da Sua ressurreição, Paulo de Sua ascensão, e João os contempla no Céu, fazendo os sagrados deveres para o cumprimento dos quais foram ressuscitados.
Não estamos sozinhos nesta interpretação. João Wesley fala dos vinte e quatro anciãos nos seguintes termos:
“‘Vestidos com vestes brancas’. As roupas e as suas coroas de ouro mostram-nos que já terminaram a sua carreira e ocuparam seus lugares entre os cidadãos do Céu. Não são chamados ‘almas’, e por isso é provável que já tenham corpos glorificados. Compare-se com Mateus 27:52.” [25]
A atenção do leitor é atraída particularmente para o fato de se dizer que os vinte e quatro anciãos estão sentados em tronos [grego: thronoi]. Esta passagem derrama luz sobre a expressão que encontramos em Daniel 7:9: “Continuei olhando, até que foram postos uns tronos”. Esta figura é tomada do costume oriental de pôr esteiras ou divãs para os hóspedes distintos se sentarem. Esses vinte e quatro anciãos (ver comentários do capítulo 5) evidentemente são assistentes de Cristo em Sua obra de mediação no santuário celeste. Quando a cena do juízo descrita em Daniel 7:9 começou no lugar santíssimo, seus tronos foram postos ali, segundo o testemunho dessa passagem.
Sete lâmpadas de fogo — Nessas lâmpadas de fogo temos um apropriado antítipo do candelabro de ouro do santuário representativo, com as sete lâmpadas sempre a arder. Esse candelabro estava colocado, por ordem divina, no primeiro compartimento do santuário terrestre (Êxodo 25:31, 32 e 37; 26:35; 27:20). Agora que João nos diz que uma porta foi aberta no Céu, e no compartimento assim exposto vê o antítipo do candelabro do santuário terrestre, temos uma boa prova de que ele está olhando para o primeiro compartimento do santuário celeste.
Versículos 6-11 — “E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal, e, no meio do trono e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos por diante e por detrás. E o primeiro animal era semelhante a um leão; e o segundo animal, semelhante a um bezerro; e tinha o terceiro animal o rosto como de homem; e o quarto animal era semelhante a uma águia voando. E os quatro animais tinham, cada um, respectivamente, seis asas e, ao redor e por dentro, estavam cheios de olhos; e não descansam nem de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de vir. E, quando os animais davam glória, e honra, e ações de graças ao que estava assentado sobre o trono, ao que vive para todo o sempre, os vinte e quatro anciãos prostravam-se diante do que estava assentado sobre o trono, adoravam o que vive para todo o sempre e lançavam as suas coroas diante do trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque Tu criaste todas as coisas, e por Tua vontade são e foram criadas.”
O mar de vidro — Não é composto de vidro, mas uma ampla superfície que lembra o aspecto de vidro. É cristalina ou transparente, como disse Tiago Strong em seu dicionário grego. Essa ideia é mais bem expressa ao compará-la com o cristal, que é definido como “qualquer coisa concreta e translúcida como o gelo ou o vidro.” A posição desse mar não apresenta analogia alguma com a bacia ou mar do antigo serviço representativo. Pode estender-se por sob o trono e ser o seu fundamento e talvez é o da própria cidade. É de novo apresentado em Apocalipse 15:2, como o local onde estarão os vencedores, em arrebatadora alegria, na vitória final.
Os quatro seres viventes — As traduções que nos apresentam “animais” neste versículo são muito infelizes. A palavra grega [zoon], traduzida por animais significa propriamente um ser vivo. Bloomfield diz em seu comentário:
“Quatro seres vivos (não animais). Assim a traduz Heinrich. [...] Creio que a propriedade dessa correção é hoje aceita em geral pelos comentadores. A palavra é muito diferente de [theríon], fera que designa os animais proféticos no capítulo 13 e seguintes (Scofield). Ademais, Bulkeley apresenta alguns exemplos de [zoon] para denotar, não apenas um ser vivo, mas até um ser humano, especialmente em Orígenes, que o aplica ao nosso Senhor Jesus.” [26]
Semelhante simbolismo é usado no primeiro capítulo de Ezequiel. As qualidades que parecem significar os símbolos são a força, a perseverança, a razão e a rapidez — a força da afeição, a perseverança em levar avante os requerimentos do dever, a razão para compreender a vontade divina, e a rapidez para obedecer. Esses seres vivos estão ainda mais intimamente relacionados com o trono do que os vinte e quatro anciãos, pois são representados como estando no meio dele. Como os anciãos em seu cântico ao Cordeiro dão-Lhe louvor por tê-los comprado da Terra. Pertencem, portanto, ao mesmo grupo, e representam uma parte da grande multidão que, como já foi descrito (ver observações sobre o verso 4), foram arrancados do cativeiro da morte e levados para o Céu. Acerca do objetivo da sua redenção, ver comentários sobre Apocalipse 5:8.
Não têm descanso — “Oh! feliz falta de descanso!”, exclama João Wesley. O tema da sua constante adoração é: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, Aquele que era, que é e que há de vir.” Nenhum cântico mais sublime saiu de lábios criados. E repetem-no dia e noite, ou continuamente, significando esses termos apenas adaptação ao modo como nós calculamos o tempo, porque não pode haver noite onde está o trono de Deus. (Apocalipse 21:23 e 25).
Nós, mortais, cansamo-nos com a repetição do simples testemunho que damos sobre a bondade e misericórdia de Deus. Às vezes, somos tentados a nada dizer, porque não podemos dizer continuamente algo de novo. Não podemos aprender uma proveitosa lição desses santos entes celestes, que nunca se cansam de repetir sem cessar: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso”, e não deixam que estas palavras envelheçam para eles, porque em seu coração arde sempre o sentimento de Sua santidade, bondade e amor? O louvor não se torna monótono para eles, porque ao pronunciá-lo ganham nova visão dos atributos do Todo-Poderoso. Atingem o mais alto grau de compreensão ao contemplarem a Sua perfeição. O horizonte dilata-se perante eles. Seu coração expande-se e as novas emoções de adoração, sob nova luz, arrancam-lhes uma nova expressão de sua santa saudação, para eles sempre nova: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo- Poderoso!”
Assim pode suceder conosco. Ainda que falemos repetidamente e frequentemente acerca da bondade, da misericórdia e do amor de Deus, do valor da Sua verdade, dos atrativos do mundo vindouro, não devia isso enfadar-nos o ouvido. Durante toda a vida devíamos elevar-nos a novas concepções das bênçãos contidas nesses gloriosos temas.
“Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder.” — Quão digno é, nunca o poderemos compreender até que, como os santos seres que proferem essas palavras, revestidos de imortalidade, sejamos apresentados irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória (Judas 24).
“Porque todas as coisas Tu criaste” — As obras da criação apresentam a base para a honra, glória e poder atribuídos a Deus. “Por causa da Tua vontade vieram a existir e foram criadas.” Deus quis, e todas as coisas foram criadas. Pelo mesmo poder são conservadas e mantidas.
Referências bibliográficas
[25] WESLEY, John. Explanatory Notes Upon the New Testament, p. 695, Comentário sobre Apocalipse 4:4.
[26] BLOOMFIELD. The Greek Testament With English Notes, vol. II, p. 574, Comentário sobre Apocalipse 4:6.
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